domingo, 7 de janeiro de 2024

Estudos sobre Teorias Da Conspiração

 


Estudos sobre Teorias Da Conspiração

A falsa (e perigosa) inocência das teorias da conspiração

Link da matéria :

https://www.observatoriodaimprensa.com.br/desinformacao/a-falsa-e-perigosa-inocencia-das-teorias-da-conspiracao/

 


  • por Nicole De March
  • 23 de agosto de 2022

Em um primeiro momento as teorias da conspiração podem parecer inocentes e inofensivas, algo bobo, feito para pessoas paranoicas com seus chapéus de papel-alumínio. Mas o que se viu no enfrentamento da Covid-19 foi algo muito diferente.

Algumas teorias da conspiração relacionadas à vacina, como a de que esta possuía microchips, levaram à hesitação vacinal e à discriminação sofrida por asiáticos por causa da história de que a China teria criado o vírus; estes são alguns dos exemplos dos danos que as teorias da conspiração propiciaram. E o que se viu é que, mesmo sem qualquer evidência e respaldo científico, as teorias continuam se espalhando. 

As redes sociais e a internet amplificam os adeptos e os efeitos dessas teorias. Uma das mais recentes, que se espalhou na rede, foi a da existência de Ratanabá, suposta cidade perdida na Amazônia que teria sido capital do mundo há 450 milhões de anos e que teria muitas riquezas e tecnologias avançadas desses povos ancestrais. Numa dessas teorias, as ONGs internacionais em defesa da Amazônia e direitos dos povos indígenas seriam de fachada: seriam os estrangeiros querendo roubar as riquezas desta ‘‘cidade ancestral’’. Esse tipo de alegação é nociva, uma vez que afasta o real debate necessário sobre o desmatamento e as queimadas devido ao garimpo ilegal e à grilagem.

Em entrevista ao Observatório da Imprensa, Carlos Orsi explica o funcionamento das teorias da conspiração e comenta sobre os riscos que esses tipos de narrativas trazem. Orsi é jornalista e escritor, editor-chefe da Revista Questão de Ciência e fundador do Instituto Questão de Ciência. 

Nicole De March – Qual o padrão encontrado nas teorias da conspiração? 

Carlos Orsi – Quando falamos sobre teoria da conspiração pressupomos que são teorias infundadas, mas não podemos esquecer que conspirações existem e acontecem, como no caso da destruição das torres gêmeas, que foi uma conspiração terrorista. Porém, uma teoria da conspiração, no mau sentido, é aquela que atribui eventos complexos de múltiplas causas a um grupo visto como beneficiário desses eventos. Um exemplo foi a teoria da conspiração de que a pandemia foi causada pela indústria farmacêutica porque ela queria vender vacinas. 

As alegações desses tipos de teoria são sem evidência e não falsificáveis. Seria como dizer que a falta de provas da veracidade da teoria da conspiração se deve ao fato dos conspiradores serem tão bons que destruíram todas as provas; ou seja, não ter provas é uma prova.

Outro fator que alimenta uma teoria da conspiração são as coincidências. Por exemplo, a de que a pandemia de Covid surgiu no momento em que a rede de telefonia 5G começava a se expandir. Decorrente disso, na Inglaterra, surgiram aquelas teorias de que na verdade o vírus tinha sido causado pela radiação destas antenas de 5G e de que isso tinha provocado mutações nas pessoas. Isso é chamado de viés de proporcionalidade, que é uma tendência que os seres humanos em geral têm de achar que grandes eventos têm de ter grandes causas. Então, uma pandemia que paralisa o mundo não pode ter sido causada por algo tão banal quanto um animal que foi vendido num mercado na China. Se o efeito é gigante, a causa tem que ser gigante, como a de que, na pandemia estaria a indústria farmacêutica querendo ganhar milhões, ou a instalação das antenas de 5G. 

Outra característica, além da atenção exacerbada a coincidências e o viés de proporcionalidade, é de que por trás de uma grande teoria da conspiração há uma teoria antissemita. Isso provavelmente vem da época da Idade Média quando se tinha as calúnias de sangue, quando se espalharam boatos de que os judeus estavam matando crianças cristãs. Eu acredito que existe esta predisposição cultural no ocidente europeu de desconfiar do povo judeu e isso é incorporado nas teorias da conspiração seguidamente ao longo do século.

N.D.M – Por que as pessoas aderem a estas teorias?

C.O. – Porque elas oferecem explicações simples para fenômenos complexos, fazendo com se tenha a ilusão de entendimento do fenômeno; essa ilusão de compreensão gera uma ilusão de poder, de controle. Isso é tranquilizante, reduz a ansiedade. 

N.D.M – As teorias da conspiração podem ser classificadas como desinformação?

C.O – Algumas teorias da conspiração são desinformação, no sentido bem clássico, que são construídas por gente que sabe que elas são falsas para atingir um determinado fim político, econômico etc. Um exemplo é a obra Os Protocolos dos Sábios de Sião, que foi criada na Rússia. Mas algumas teorias da conspiração não são assim; surgem de uma forma mais ou menos espontânea, ou são apenas a tentativa de encontrar uma ligação entre dois acontecimentos e acabam se espalhando simplesmente porque têm alguma propriedade de viralização memética. Ou seja, existem teorias da conspiração que são desinformação, no sentido de serem maliciosas e mal intencionadas ,e existem conspirações que são tentativas sinceras de entender o mundo, mas que estão erradas; nem por isso são menos perigosas.

N.D.M – Quais são as ameaças que as teorias de conspiração representam?

C.O – A ameaça principal é tornar o grupo acusado de ser o conspirador alvo de ódio social. A história mostra que quando uma minoria, um pequeno grupo, é transformada em receptáculo do ódio da sociedade, pode resultar em problemas, como foi com o antissemitismo.

Em segundo lugar, ela desvia a atenção e recursos das verdadeiras causas dos problemas. Às vezes das pessoas estarem tratando os problemas como complexos e multifatoriais que são, tratam-nos como se fossem simples e causados unicamente pelos conspiradores que supostamente se beneficiam com isso. 

Além disso, essas teorias podem criar pânico social, um estado em que a sociedade fica extremamente preocupada com um problema que na verdade não é tão grave assim.

Um exemplo disso foi o que tivemos recentemente com a história da baleia azul e da Momo, que seriam responsáveis por mensagens suicidas transmitidas para as crianças via redes sociais. Isso requer recursos de atenção, tempo das pessoas e se foca em um problema que ou não existe ou existe, mas não precisa de um tratamento tão concentrado, tão histérico assim.

O pensamento conspiracionista prejudica a capacidade das pessoas de traçar relações válidas de causa e efeito. Cria-se o vício de ficar procurando relações, com pensamentos do tipo ‘‘se isso aconteceu é porque alguém queria que acontecesse’’, ou seja, pensar em quem queria, em quem ganhou dinheiro com o ocorrido. Embora isso possa ser uma via de investigação válida, nem sempre é e não é a única; existem outros tipos de coisas envolvidas em relações de causa e efeito. Isso envenena o debate político, já que transforma o que deveria ser um debate sobre políticas públicas, sobre o que é melhor para a sociedade, numa troca de acusações: cada lado acha que o outro é o grande culpado ou o grande conspirador e isso desumaniza o adversário. Em vez de o ver como adversário, passa-se a vê-lo como inimigo, como se ele estivesse manipulando a sociedade para destruir valores que você acha importantes -e o adversário olha para você e vê a mesma coisa, transformando o debate político em uma guerra .

Por mais que precisemos criticar as autoridades e ser céticos em relação aos discursos que os políticos fazem, quando o ceticismo e a crítica se tornam absolutos e as pessoas realmente não confiam em mais nada do que as figuras em posição de autoridade dizem, sugerem, pedem etc., o tecido social é destruído. Corrói-se a confiança mínima necessária para a sociedade funcionar. Ou seja, a teoria da conspiração estimula o ódio, corrói a coesão social, acabando com a confiança mínima. Vimos isso no Brasil durante a crise da Covid-19, em que as autoridades começaram a lutar entre si. Autoridades científicas dizendo uma coisa, autoridades políticas dizendo o contrário, em qual delas a população vai confiar?

N.D.M – Você poderia citar um tipo de conspiração com viés político? 

C.O – A grande conspiração brasileira do momento é a de que existe uma armação dentro dos tribunais eleitorais para roubar a eleição. Ninguém disse isso, Bolsonaro não diz que existe uma conspiração no Supremo Tribunal Federal e no Tribunal Superior Eleitoral para que as urnas eletrônicas façam algo contra ele, porém é o que ele está insinuando e deixando seus apoiadores acreditarem. Bolsonaro está construindo um clima cultural no qual, caso ele perca as eleições, existam explicações alternativas para esse resultado, além do fato de as pessoas não terem votado nele. Essas explicações alternativas seriam que ocorreu fraude nas eleições, de que as urnas eletrônicas foram hackeadas e assim por diante. Isso seria insinuar uma teoria da conspiração.

N.D.M – Como este tipo de teoria da conspiração pode atuar nas eleições? 

C.O – Na verdade isso torna as eleições, no limite, inúteis. Essa narrativa de que, se o Bolsonaro ganha as eleições é porque as forças do bem venceram a conspiração e de que se ele perdeu é porque a conspiração venceu e ele foi roubado, faz você não precisar de eleições. Para quem acredita nessa conspiração, a questão já está resolvida: Bolsonaro é o candidato favorito e se as urnas não mostrarem isso ou é porque elas têm defeito ou porque os ‘‘malvados’’ as manipularam.

***

Nicole De March é mestre e doutora em Física (UFRGS). Pós-doutoranda do LABTTS (DPCT-IG/Unicamp) e membro do Grupo de Estudos de Desinformação em Redes Sociais (EDReS).


“Um perigo para a democracia”

 



Qual é o papel das teorias da conspiração em conflitos? Um diálogo com o perito Michael Butter.

Entrevista: Kim Berg, 19.06.2022

Michael Butter vem pesquisando as teorias da conspiração há mais de 15 anos.

https://www.deutschland.de/pt-br/topic/politica/teorias-da-conspiracao-e-democracia-perito-michael-butter


Assegurar o acesso a informações confiantes e promover a liberdade da mídia também são temas centrais da presidência alemã do G7, sendo que se devem ajudar os cidadãos e as cidadãs a reconhecer e combater ativamente as desinformações e as teorias da conspiração. Michael Butter, professor titular de Literatura e História Cultural da América do Norte na Universität Tübingen, Alemanha, vem se ocupando há muitos anos com as teorias da conspiração. Ele explica como elas surgem e porque elas podem ser um perigo para as democracias.

Senhor Prof. Butter, por que as pessoas acreditam em teorias da conspiração?

As teorias da conspiração oferecem explicações e fazem o mundo se tornar mais significante. Tudo o que acontece pode, assim, ter sido causado por um comportamento humano planejado. Nada acontece por acaso. Isto é basicamente o critério decisivo da interpretação do mundo do ponto de vista das teorias da conspiração.

Quais pessoas são especialmente vulneráveis a tais interpretações do mundo?

Por um lado são pessoas que sempre estão em procura de clareza. As teorias da conspiração dividem o mundo em bem e mal. E não há nada entre o bem e o mal. Por outro lado, as pessoas que têm a sensação de perder o poder estão inclinadas a acreditar nessas teorias. Elas creem que elas próprias ou o seu grupo ou até mesmo toda a nação podem perder o controle. As teorias da conspiração são atraentes para esse grupo de pessoas, pois elas não apenas lhes oferecem uma explicação para aquilo que está acontecendo, mas lhes dão de volta um pouco de controle. Essas pessoas podem exigir, pelo menos para si próprias, que estão cientes do que está ocorrendo.

Há países que empregam histórias de conspiração para desestabilizar outros Estados?

Sim. Nos últimos anos, a partir de 2015, foram propagadas pelo Kremlin muitas desinformações e notícias falsas acerca do movimento de refugiados e uma suposta desintegração da Alemanha. Além disso, houve também a campanha de propaganda contra a Ucrânia a partir de 2014. E o suposto golpe de Estado de grupos nazistas na Ucrânia, orquestrado pelos EUA e pela OTAN. Na guerra na Ucrânia, parece até mesmo que o próprio grupo de confiança de Putin acreditou nessas teorias da conspiração, pensando seriamente que a Ucrânia as acolheria de braços abertos, o que não aconteceu.

Por que a política russa divulga notícias falsas e mitos em outros países?

Dessa maneira, o Kremlin tenta dividir a sociedade, provocar confusão e criar conflitos. Isso tudo deve fazer com que as posições, que vão contra os interesses russos, não possam mais se refletir na opinião pública.

Como se podem convencer os adeptos de teorias da conspiração da realidade?

Procurando travar diálogos com eles, fazendo-lhes perguntas sérias. Por que você vê isso de outra maneira que eu? Por que uma pessoa é para você um perito e outra não? Isso pode desencadear um processo de autorreflexão, mas não obrigatoriamente. Em todo caso, é um processo longo e fatigante.


Por que algumas pessoas acreditam em teorias da conspiração? Estudo explica

Por Redação Galileu

29/06/2023 10h06 Atualizado há 6 meses

 Filme 'Sinais' (2002) escrito, produzido e dirigido por M. Night Shyamalan

 

 https://revistagalileu.globo.com/sociedade/comportamento/noticia/2023/06/por-que-algumas-pessoas-acreditam-em-teorias-da-conspiracao-estudo-explica.ghtml

O homem realmente pisou na Lua? A Terra é plana? A morte da princesa Diana foi armada? Essas são algumas das teorias da conspiração mais conhecidas no mundo, e envolvem hipóteses sobre a realidade que são incoerentes. Mas o que leva alguém a acreditar nessas histórias? Segundo um novo estudo, a combinação de traços de personalidade, a sensação de antagonismo e o sentimento de superioridade são alguns elementos da resposta.


Pessoas que acreditam em teorias da conspiração muitas vezes são vistas como simplórias e mentalmente instáveis. Porém, a análise elaborada por Shauna Bowes, doutoranda em psicologia clínica na Universidade Emory, nos Estados Unidos, mostrou que não é bem assim. Na realidade, existem questões mais profundas ligadas a isso.


“Muitos recorrem às teorias da conspiração para atender às suas necessidades motivacionais carentes e dar sentido à angústia e a fraquezas”, aponta a pesquisadora, em comunicado.

Diferentemente de estudos anteriores, que analisaram a personalidade e a motivação como fatores separados, em sua nova pesquisa, publicada online na revista Psychological Bulletin, Bowes examinou esses fatores juntos para chegar a um relato mais unificado. Os resultados mostraram que, em geral, as pessoas sentiam-se motivadas a acreditar em teorias da conspiração pela necessidade de entenderem seu ambiente e se sentirem seguras nele, além da necessidade de sentir que a comunidade com a qual elas se identificam é superior às outras.

Pensamentos conspiratórios

A equipe conduzida por Bowes sintetizou dados de 170 estudos envolvendo mais de 158 mil indivíduos vindos, em sua maioria, dos Estados Unidos, do Reino Unido e da Polônia. Os pesquisadores se concentraram em estudos que mediam as motivações dos participantes ou traços de personalidade associados ao pensamento conspiratório.

A primeira questão observada foi que a necessidade de desfechos ou de um senso de controle não foram os motivadores mais fortes para o endosso a teorias da conspiração. Na verdade, as pessoas eram mais propensas a acreditar em histórias especulativas específicas quando motivadas por relacionamentos sociais.

Os participantes que identificavam ameaças sociais, por exemplo, tinham maior probabilidade de acreditar em teorias da conspiração baseadas em eventos, como a de que o governo americano teria planejado os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001. "Esses resultados estão amplamente mapeados em uma estrutura teórica recente. Ela defende que os motivos de identidade social podem levar à atração pelo conteúdo de uma teoria da conspiração, enquanto pessoas motivadas pelo desejo de se sentirem únicas têm maior probabilidade de acreditar em teorias da conspiração gerais, que falam sobre como o mundo funciona”, afirma Bowes.

A personalidade foi outro fator importante, já que pessoas com certos traços de personalidade, como um senso de antagonismo em relação aos outros e altos níveis de paranoia, também eram mais propensas a acreditar em teorias da conspiração.

Outra característica observada foi que esse público era mais propenso a ser inseguro, paranoico, emocionalmente volátil, impulsivo, desconfiado, retraído, manipulador, egocêntrico e excêntrico.


Mais pesquisas são necessárias para uma resposta completa sobre esse tema, visto que há muitas variáveis ​​importantes que devem ser exploradas nas relações entre pensamento conspiratório e a personalidade e motivação. É o caso, por exemplo, da influência dos traços gerais de personalidade (extroversão, amabilidade, franqueza, conscienciosidade e neuroticismo) na tendência em acreditar nessass teorias.


Teorias da conspiração: ninguém é imune a elas

https://inteligencia.insightnet.com.br/teorias-da-conspiracao-ninguem-e-imune-a-elas/

 



Antonio Cezar Dominguez, Administrador

Teorias da conspiração não são ideias marginais, escrupulosamente escondidas nos cantos escuros da sociedade e da internet. Elas são política, econômica e socialmente relevantes para todos nós. Estão interligadas com nosso cotidiano de inúmeras maneiras; estão por toda parte e, como outras ideias, têm consequências. Quando pessoas acreditam em teorias da conspiração, podem agir conforme os preceitos dessas. Numa democracia, elas podem levar a maioria do eleitorado a tomar decisões devastadoras, como observamos atualmente no Brasil da família Bolsonaro. As crenças conspiracionistas podem, também, estimular a abstenção eleitoral: aqueles que acreditam que o sistema de votação é manipulado por agentes externos estarão menos dispostos a participar dele.i Como constatamos atualmente no Brasil com o famigerado “tratamento precoce”, as teorias da conspiração também influenciam as decisões médicas de muitas pessoas, o que pode ser nocivo não só para elas, como também para os outros. Para alguns adeptos, elas chegam a ser justificativa para ações violentas.ii 

As teorias da conspiração são atemporais ? quer na Roma antiga, na Europa medieval ou na América do século XX, elas sempre difundiram crenças e incitaram ações. De quando em quando, histeria coletiva, pânico, expurgos e derramamento de sangue resultaram de ideias conspiracionistas.iii No entanto, este ensaio tem sua motivação na atualidade, pois, no século XXI, as teorias da conspiração atingiram proporções sem precedentes. Doutrinas conspiracionistas têm dominado o discurso de elites políticas em muitas partes do mundo e se tornado o leitmotivde movimentos políticos de massa. Muitos dos desenvolvimentos mais alarmantes na política mundial estão diretamente associados com crenças conspiracionistas. Demonstrações recentes de populismo, nacionalismo, xenofobia e racismo têm sido acompanhadas por narrativas conspiratórias.iv Muitos líderes mundiais ? Recep Erdogan, Viktor Orban, Donald Trump, Nicolas Maduro, Jair Bolsonaro ? justificam o autoritarismo e a concentração de poder com bodes expiatórios e acusações de complôs. A internet, outrora tida como instrumento da democracia, tem sido utilizada para manipular setores da população ? quer por lucro, quer por poder ? com teorias da conspiração. 

Há um sem-número de teses conspiratórias em que as pessoas acreditam. Algumas creem em dezenas, senão em centenas. Embora as pesquisas de opinião perguntem apenas sobre algumas, números atuais sugerem que nós todos ? não importa de onde ? acreditamos em pelo menos uma. A título de ilustração, de acordo com a pesquisa “A Cara da Democracia: Política e Pandemia” de maio de 2021, metade dos brasileiros crê que o novo coronavírus foi criado num laboratório chinês, e quase seis em cada 10 brasileiros acreditam que os hospitais inflam os números de mortes por Covid-19.v  

Quando se observam essas pesquisas mostrando que grande parte das pessoas acredita em ideias estapafúrdias, é natural perguntar-se se elas realmente creem nessas narrativas ? e, sim, eles acreditam.vi Nesse cenário, intelectuais públicos e comunicadores científicos, como Atila Iamarino, Dráuzio Varella, Miguel Nicolelis, entre outros, têm de defender recorrentemente a ciência e a razão contra teorias da conspiração populares, enchendo tonéis das danaides. Os ambientes menos científicos também estão repletos de narrativas conspiracionistas. O modelo e a arquitetura das mídias sociais como Facebook e Twitter não só favorecem a difusão dessas teses como também propiciam ambientes virtuais de reunião de adeptos.  

Antes da popularização da internet, as pessoas tinham muito mais dificuldade em encontrar grupos com crenças, opiniões e atitudes semelhantes às próprias. Com o advento dos fóruns de discussão on-line, sobretudo os anônimos ? p. ex., 4Chan, 1500Chan e FavelaChan ? e das redes sociais, tornou-se fácil indivíduos com interpretações conspiracionistas dos acontecimentos de grande repercussão confraternizar com outros dotados das mesmas visões de mundo, deixando-os mais confiantes na forma como pensam, na medida em que verificam que muitos outros concordam com eles, o que, a seu turno, acelera a difusão de teorias da conspiração e a adesão a elas. 

Nesse contexto, permanecem ainda muitos mitos sobre as teorias da conspiração no debate público, especialmente sobre seus adeptos. Crê-se que apenas os outros acreditam em fantasias conspiratórias, que esses crentes costumam ser indivíduos simplórios, imunes a fatos e sem senso crítico, quando, de fato, o pensamento conspiratório também viceja entre elites, tanto econômica, intelectual quanto política.vii Podemos dizer a nós mesmos que apenas os ingênuos e ignorantes acreditam em histórias fabricadas e em pseudociências e supor que somos imunes à falsa lógica dessas narrativas conspiracionistas.  

Porém, indivíduos com acesso à educação e a fontes diversificadas de informação não raro acreditam em maquinações ocultas. Isso se deve ao fato de que acreditar em teorias da conspiração é humano, demasiado humano, parafraseando Nietzsche. Elas têm utilidade cognitiva e psicológica, e nós tendemos a aderir a elas ? ou criar nossas próprias ? em certas circunstâncias e situações, como durante uma pandemia. 

Para arrefecer as tendências atuais, é mister entender melhor o que são teorias da conspiração e por que nós podemos vir a acreditar nelas. Nesse sentido, devem-se desmistificá-las, deixando de tratá-las como um fenômeno restrito às margens da sociedade. Para tanto, primeiro expomos as suas principais características e discutimos dois exemplos mais recentes no contexto político brasileiro. Em seguida, com base na literatura acadêmica sobre o tema, discorremos sobre as principais razões que tornam as explicações conspiracionistas mais atraentes a fim de qualificar melhor o debate público sobre seus adeptos e frisar que todos estamos sujeitos, em maior ou menor grau, aos encantos das narrativas conspiratórias.  

Marxismo cultural e globalismo 

Primeiro, deve-se dizer que conspirações existem e há muitos exemplos históricos dessas. No caso brasileiro, podem-se citar, por exemplo, a conspiração entre a elite cafeicultora e o Exército que levou ao fim da Monarquia em 1889 e as conjurações nos bastidores do governo Vargas que fabricaram o Plano Cohen para justificar o golpe de Estado de 1937. Há também a conspiração entre as elites e as Forças Armadas para, em 1964, depor João Goulart e fechar o Congresso. Como sintetizado na formulação paradoxal de Goldschälger e Lemaire, “conspirações existem, mas a Conspiração não” (tradução nossa).viii  

As teorias da conspiração têm geralmente em seu enredo um pequeno grupo de indivíduos poderosos maquinando secretamente em benefício próprio, mas em detrimento do bem comum. Envolvem um esforço concertado com vistas a cercear direitos, capturar instituições (por exemplo, a burocracia estatal, a imprensa, as universidades) por meio de fraudes, cooptação e operações de manipulação em larga escala. Além disso, as narrativas conspiratórias servem de explicação de eventos ou circunstâncias passadas, presentes ou futuras cuja causa principal foi uma conspiração. Na medida em que as teses conspiracionistas pressupõem intenções e ações de pessoas poderosas, elas são inerentemente políticas.ix  

Outro aspecto das teorias da conspiração é que expressam ansiedades originadas na sensação de perda de controle, como numa ordem religiosa, política ou social. Fazem-no ao explicar eventos sociais e políticos de amplo impacto e grande repercussão como resultantes de ações orquestradas por agentes externos poderosos.  

Ademais, as explicações conspiracionistas têm, por definição, mecanismos para inocular seus adeptos contra potenciais refutações, entre os quais semear a desconfiança e o descrédito contra fontes externas e oficiais. São concepções acusatórias que poderiam ser verdadeiras ou falsas e que contradizem as evidências e conclusões advindas das autoridades epistemológicas (por exemplo, cientistas, pesquisadores, especialistas), porque elas foram cooptadas pelos conspiradores. Costumam ter um núcleo de verdades sobre o qual toda uma confabulação é erigida com base em evidências distorcidas ou parciais e em fatos fabricados, tirados de contexto ou inverificáveis, porque os conspiracionistas apagam ou escamoteiam seus rastros.  

As teorias da conspiração, desse modo, conseguem ser plausíveis, possíveis em tese, ao mesmo tempo em que são “não falseáveis”, isto é, caso alguém apresente provas, estas serão descartadas, pois fontes externas de informação estariam sob o jugo dos conspiracionistas.x  

Pela “lógica” subjacente a essas narrativas, tudo foi planejado, não há coincidências, e as causas devem ser proporcionais às suas consequências. Dividem o mundo em termos maniqueístas ? entre conspiradores malévolos e vítimas inocentes. Afirmam que a conspiração funciona secretamente, não se revelando, mesmo depois de atingidos seus objetivos. O cientista político Michael Barkun resume três princípios presentes em quase todas as teorias da conspiração: “nada acontece por acidente; nada é o que parece; e tudo está conectado” (tradução nossa).xi  

Portanto, essas confabulações ignoram as noções de aleatoriedade, contingência, infortúnio e fatalidade. Da perspectiva do crente, por exemplo, uma pandemia não poderia ter sido resultado do fortuito contato de um humano com um animal silvestre. Um acontecimento de tal magnitude só poderia ter sido resultado de um plano maléfico dos comunistas chineses para colocar a economia mundial sob seu jugo ou dos “globalistas” para controlar a população mundial.  

Conexões causais necessárias ? “autoevidentes” ? e determinismos são importantes para as teorias da conspiração. Assim, eventos notáveis ??(assassinato de J. F. Kennedy, os ataques do 11 de Setembro, a derrota de Donald Trump) ou catástrofes (crises econômicas, pandemias) necessariamente não são ? “não podem ser” ? fruto do acaso. Com base nas premissas de que nem o governo nem a mídia são confiáveis ? daí, por exemplo, os ataques do bolsonarismo contra a imprensa ? “versões oficiais” não passam de “cortinas de fumaça” criadas pelos conspiradores para esconder da população a “verdade verdadeira”. Para não serem questionadas e para evitar que sejam refutadas, há um esforço no sentido de desacreditar as instituições, os especialistas e as autoridades públicas.xii  

Os atores no teatro das teorias da conspiração 

Os profissionais das teorias da conspiração são, em geral, bem formados. Eles produzem e endossam publicamente alegações e narrativas conspiracionistas como uma visão de mundo. Quer por convicção, quer por interesse econômico ou político, eles oferecem ao público explicações alternativas e bem estruturadas ? internamente coerentes ? para eventos sociais, econômicos ou políticos de grande repercussão. No Brasil, sobressaiu-se nesse quesito o guru da extrema direita, Olavo de Carvalho. Ex-jornalista, ex-líder de seita, ex-astrólogo e ex-alquimista, o autointitulado filósofo desempenhou papel importante na importação para o Brasil de teorias da conspiração das mais variadas, como o marxismo cultural e o globalismo. 

Para se verificar como as teorias disseminadas por Olavo de Carvalho continham os principais elementos definidores das teorias da conspiração, analisamos doravante as duas teses defendidas pelo guru da extrema direita brasileira que mais se destacaram depois da ascensão de Jair Messias Bolsonaro. Segundo preconizava Olavo de Carvalho, o marxismo cultural foi concebido por filósofos e sociólogos do início do século passado da Escola de Frankfurt, bem como pelo italiano Antonio Gramsci, para dominar o mundo, especialmente pela cultura. Entre as principais estratégias está a dominação da linguagem por meio da “ditadura do politicamente correto”.  

Essa nova linguagem seria uma forma de inculcar a ideologia comunista nas mentes das pessoas. No caso brasileiro, conforme o guru da extrema direita, por meio do “marxismo cultural”, o processo democrático “foi substituído por um sistema de controle monopolístico não só do poder estatal como da cultura e da mentalidade pública”, controle esse “tão eficiente que já não é percebido como tal”. Portanto, “[a] facção que domina o governo controla também o sistema de ensino, as universidades e instituições de cultura, o meio editorial e artístico e a quase totalidade dos órgãos de mídia”, e essa facção, é claro, é uma “aliança indissolúvel” entre a esquerda e a extrema esquerda.xiii  

Em relação ao globalismo, segundo o ideólogo, trata-se de um plano ? subsidiado pela elite financeira ? para aniquilar as soberanias nacionais e implementar um governo mundial, “um onipotente Leviatã”. Constitui-se de “um processo revolucionário”, “o processo mais vasto e ambicioso de todos”, que envolve “a mutação radical não só das estruturas de poder, mas da sociedade, da educação, da moral, e até das reações mais íntimas da alma humana”.  

Com base na discussão sobre a definição de teorias da conspiração feita acima, não surpreende que Olavo de Carvalho tenha afirmado ser o globalismo um “poder onipresente e invisível”. Nota-se, diante disso, a presença de um grupo de poderosos (“elite financeira”), uma grande operação de manipulação psicológica em larga escala (“a mutação radical…”), bem como o aspecto do ocultismo, pois os fatos se desenrolam “à margem da atenção pública”, identificável somente por “uma fração mínima e inofensiva da população”, isto é, um seleto grupo de clarividentes. Interessante notar que, em meio a sua discussão sobre o globalismo, o guru não se furta de dizer que “não se trata de nenhuma ‘teoria da conspiração’”.xiv  

Essa TC ressurge mais intensamente com a eclosão da pandemia de Covid-19. O novo coronavírus seria uma estratégia da ONU, da OMS e da China para dominarem o mundo. Para os antiglobalistas, a pandemia, o isolamento social e o uso de máscaras fazem parte de um plano para cercear as liberdades básicas individuais e controlar as populações. Segundo o assessor especial da Presidência da República, Filipe Martins, “Globalismo é a ideologia que preconiza a construção de um aparato burocrático ? de alcance global, centralizador e pouco transparente ? capaz de controlar, gerir e guiar os fluxos espontâneos da globalização de acordo com certos projetos de poder. Não confunda uma coisa com a outra”.xv  

Na realidade, o globalismo refere-se à necessidade de fortalecerem-se o direito internacional público e as organizações multilaterais a fim de estimular a cooperação entre os países no enfrentamento de problemas de natureza global, que não podem ser resolvidos pela vontade de um ou outro país localmente. Note-se o caso do aquecimento global. As emissões de gases de efeito estufa de um país afetam todos os países. Se um Estado decidisse conter suas emissões e outro Estado, aumentar suas emissões, aquele ficaria em desvantagem para com esse. Além disso, a comunidade internacional estaria arcando com as consequências climáticas produzidas por ações de um punhado de países. Afinal, a atmosfera é comum a todas as nações.xvi 

O problema com os teóricos da conspiração é que qualquer tentativa de corrigir suas teorias apelando para alguma forma de evidência contrária é a própria confirmação e da teoria da conspiração, vide o caso do globalismo segundo Olavo de Carvalho. De qualquer forma, não se pode ignorar o fato de que essa função tem contrapartida financeira, pois não raro eles obtêm renda significativa da venda de livros, cursos e outros produtos relacionados. Os consumidores dessas teorias, por sua vez, embora acreditem nelas, agem apenas como audiência passiva, consumindo os conteúdos de mídia disponibilizados por esses ideólogos.xvii  

Por que as pessoas acreditam em teorias da conspiração? 

Algo corrente no debate público e até mesmo em algumas cátedras é a suposição de que os adeptos das conspirações devem ser crédulos, cognitivamente limitados, paranoicos, revoltados, incapazes de pensar analiticamente. Essas pessoas deveriam, portanto, acreditar em tudo o que leem ou escutam, sem senso crítico.No entanto, essa perspectiva é tão preconceituosa quanto equivocada. Elas não aceitam irrefletidamente o que alguém lhes diz ? pelo contrário. Os adeptos adquirem maior propensão a recorrer a teorias da conspiração quando essas podem ajudá-las a obter informações que julgam importantes, mas ausentes dos meios tradicionais de comunicação, em vez de acreditar em qualquer explicação; com efeito, buscam conhecimento específico.  

Além disso, os crentes em conspirações muitas vezes se descrevem como buscadores e defensores da verdade e céticos. Porém, são céticos quanto às informações que recebem dos tradicionais meios de comunicação ? mainstream media ? e quanto às versões oficiais dos acontecimentos e procuram seletivamente fatos e respostas a perguntas que consideram cruciais. Os crentes podem talvez apenas estar procurando nos lugares errados esses fatos e respostas. De qualquer forma, os fatores cognitivos explicam parcialmente por que os seres humanos acreditam em teorias da conspiração. Existem outros motivos importantes que precisam ser considerados, como explicamos a seguir.xviii 

De acordo com os pesquisadores Douglas, Sutton e Cichocka,xix as teorias da conspiração tornam-se mais atraentes por diferentes motivações psicológicas. Eles as dividem em três grupos: i) epistêmicas (anseio por entendimento/compreensão precisa de certos acontecimentos e por certeza/segurança subjetiva diante do improvável ou aleatório); ii) existenciais (necessidade de sensação de controle e de segurança); iii) sociais (desejo de manter uma imagem positiva de si ou do seu grupo social).  

Nesse contexto, com base na literatura acadêmica, explicamos a seguir essas motivações psicológicas a fim de desmistificar a presunção de que as pessoas aderem a teorias da conspiração porque são ingênuas, doentes mentais ou pouco inteligentes. 

Em relação às razões epistêmicas, seres humanos em geral anseiam por saber a verdade e estarem certos dela, bem como são inerentemente curiosos, buscam continuamente novas informações, novidades. Além disso, as pessoas são avessas a incertezas e requerem as causas até de eventos aleatórios, acidentais, ou muito improváveis. Mais especificamente, elas costumam fornecer explicações abrangentes, dotadas de coerência interna e irrefutáveis, que permitem aos indivíduos manter suas crenças em situações aparentemente incertas e contraditórias.  

Como referido anteriormente, as teorias da conspiração costumam ser resistentes a refutações, porquanto se baseiam na premissa de que múltiplos atores agem concertadamente e ocultam suas ações mediante a cooptação das instituições; consequentemente, aqueles que tentam demonstrar a farsa estão a serviço dos conspiradores. Com essas características, as narrativas conspiracionistas são capazes de proporcionar a segurança e a certeza de saber a verdade para quem delas necessita. Ademais, ao caracterizarem as evidências contrárias como produzidas pelos conspiradores, elas servem também para manter ou reforçar preconcepções, opiniões ou crenças há muito mantidas, evitando, assim, desilusões muito intensas.xx  

Os estudos têm, também, consistentemente vinculado outros fatores psicológicos à aceitação de teorias da conspiração. Os pesquisadores Van Prooijen e Jostmann,xxi por exemplo, conseguiram identificar correlação entre sensação de incerteza e julgamento moral de autoridades: quanto maior o sentimento de incerteza, maior a crença na imoralidade de agentes poderosos e, portanto, na sua participação em conspirações.  

Outros estudos,xxii por sua vez, ligaram a necessidade de buscar padrões e significado à aceitação de teorias da conspiração: pessoas com propensão a identificar padrões, até mesmo na aleatoriedade (ilusão de padrão), são mais suscetíveis a explicações conspiratórias. Outras pesquisas demonstraram correlação entre predisposição a extrair conexões de causalidade implausíveis, mesmo quando há um padrão no estímulo dado aos participantes.xxiii Outro estudo mostrou que pessoas religiosas ou que acreditam em fenômenos para e supernaturais têm maior tendência a aceitar essas narrativas.xxiv  

Outro fator intensificador na aceitação de narrativas conspiratórias refere-se às características do acontecimento em si: as pessoas ficam mais propensas a acreditar em teorias da conspiração quando ocorrem eventos de larga escala e ampla repercussão ou de muita importância.xxv Pesquisadores argumentam que isso pode se dever ao viés de proporcionalidade ? a tendência a achar que as causas devem ser proporcionais aos seus efeitos. Portanto, explicações simples acerca de um acontecimento de grandes proporções podem não satisfazer tanto quanto aquelas mais elaboradas; afinal, como uma pandemia viral poderia ter sido resultado do contato de um indivíduo com animais silvestres?  

Outra característica ligada à suscetibilidade a explicações conspiratórias é a necessidade de “desfecho cognitivo” (cognitive closure), que se traduz na propensão a formar com rapidez opiniões e julgamentos sobre qualquer assunto ou situação.xxvi Outras pesquisas mostram que a tendência a projetar as crenças pessoais sobre os outros também está ligada à aceitação de uma teoria da conspiração: se o próprio indivíduo conspiraria se estivesse na mesma situação, então ela deve ser real.xxvii Por fim, outros estudos identificaram ligação entre crenças conspiracionistas e baixos níveis de raciocínio analítico; maior confiança na intuição do que na razão; alto nível de tédio; e maior ignorância e menor inteligência.xxviii Não obstante, como mostramos até aqui, não somente: há uma multitude de necessidades psicológicas que levam pessoas a aderir a teorias cabalistas.  

No que concerne às motivações existenciais, as pessoas tendem em geral a aderir a teses conspiratórias quando se sentem inseguras e sem controle em dada situação.xxix Ao poder identificar os responsáveis e obter a impressão de “saber o que está acontecendo”, os indivíduos adquirem sensação de segurança e de controle, pois sentem que têm alternativas, que têm como se proteger, quando pensam conhecer a origem do perigo e quem são os conspiradores.xxx  

Estudos de psicologia social têm também mostrado que indivíduos, quando ansiosos ou desalentados, ou quando em situações indutoras de ansiedade e de sensação de perda de controle sociopolítico ? perda de emprego, crises econômica, social, política e sanitária, como em pandemias ?, adquirem maior propensão a aderir a teorias da conspiração.xxxi  

Nesse contexto, verifica-se que acreditar nessas teses não significa que a pessoa é crédula ou pouco inteligente, mas, sim, utilizam-nas ? inconscientemente ? para suprir necessidades cognitivas provocadas por fatores externos ou problemas conjunturais, como forma de mitigar insegurança, sensação de perda de controle, ansiedade, desalento e incertezas sobre o futuro. As pessoas não acreditam em todas as explicações de teor conspiratório que lhe são oferecidas, mas, sim, naquelas que lhe trarão a tranquilidade e segurança que buscam.  

Existem, também, variadas motivações sociais que aumentam a suscetibilidade de um indivíduo ou grupo de indivíduos a teorias da conspiração, incluindo a necessidade de manter uma imagem positiva de si mesmo e dos grupos sociais a que pertence. Pesquisadores verificaram que explicações conspiratórias servem a proteger ou mesmo melhorar a autoimagem de indivíduos e grupos sociais ao oferecer bodes expiatórios, como “as elites”, “o establishment”, “o sistema”, “os globalistas” etc., para atribuir a culpa ou responsabilização por fracassos ou desilusões.xxxii  

Pessoas ou grupos também anseiam por ser únicos, autênticos, por sentirem-se especiais em comparação com os outros. Não surpreendentemente, estudos identificaram que as teorias da conspiração são particularmente atraentes para indivíduos e grupos narcisistas (narcisismo coletivo).xxxiii  

Argumenta-se que esses fenômenos ocorrem porque as teorias da conspiração permitem que as pessoas se sintam de posse de informações de grande importância e exclusivas, acessíveis apenas a poucos ou a escolhidos. A infame QAnon é exemplo eloquente dessas evidências, na medida em que faz seus participantes crerem que são os escolhidos, parte de um grupo exclusivo. Além disso, essa teoria da conspiração serve também a justificar os fracassos da gestão Trump, bem como explicar sua derrota eleitoral, protegendo a autoimagem dos seus apoiadores apesar dos pesares.  

Nesse sentido, estudos da ciência política também analisaram a relação entre política e teorias da conspiração. As evidências sugerem que pessoas do lado perdedor, em comparação ao lado vencedor, têm maior tendência a consentir com teses conspiratórias. No quesito espectro ideológico, quando esquerdistas aceitam teorias que demonizam os direitistas (e vice-versa), estão aderindo a crenças condizentes com suas visões políticas, e, de fato, há evidências de que as pessoas o fazem em ambas as extremidades do espectro político.xxxiv  

Ademais, indivíduos em situação de impotência têm maior propensão a recorrer a confabulações a fim de resguardar-se dos poderosos que estariam conspirando contra eles. Grupos que se sentem vitimizados também tendem mais a aderir a narrativas conspiracionistas.xxxv Grupos socialmente marginalizados, discriminados ou oprimidos, por exemplo, têm maior tendência a acreditar em teorias da conspiração.xxxvi As pessoas não acreditam que grupos dominantes estejam conspirando contra elas simplesmente por ingenuidade, ignorância ou estupidez. Muitas vezes, indivíduos ou grupos sociais estão respondendo a ameaças reais, desigualdades e injustiças, bem como a acontecimentos históricos de vitimização, como a escravidão. Eles adotam crenças que protegem a si e a seus grupos, psicologicamente. 

Portanto, é importante considerar os contextos político, social e histórico que tornam as narrativas conspiracionistas mais atraentes e críveis do que as explicações convencionais e não julgar seus adeptos como ingênuos ou pouco inteligentes. Grande parte da sociedade alemã não acreditou na teoria da conspiração da “punhalada pelas costas” e da conspiração internacional judaica porque eram ingênuos, ignorantes ou estúpidos. Era uma das sociedades mais bem educadas do continente europeu. Havia, sim, uma conjuntura propícia à adesão a narrativas conspiratórias: a desilusão da derrota militar na Primeira Grande Guerra, o leonino Tratado de Versalhes e uma crise socioeconômica.  

Como constatam Jowett and O’Donnel em “Propaganda & Persuasion”, “[s]ocialmente, o antissemitismo foi evocado para fornecer uma justificativa para o fracasso alemão, bem como uma razão para esperar um futuro melhor ‘assim que o problema fosse resolvido’”.xxxvii  

Se os adeptos dessas teorias estivessem simplesmente sendo crédulos, eles acreditariam em todas as teorias da conspiração, e não somente em algumas. Em suma, “[a]s pessoas não acreditam simplesmente em qualquer coisa ? elas acreditam no que querem acreditar”.xxxviii  

Considerações finais 

Em contraste com o senso comum, as teorias da conspiração estão bastante disseminadas na sociedade e, com a ascensão das mídias sociais e um cenário de pandemia, obtiveram ampla exposição na mídia e tomaram proporções sem paralelo. Nesse sentido, os ambientes virtuais ensejam que os adeptos de teses conspiratórias, antes isolados ou reunidos em pequenos grupos locais, encontrem seus pares mundo afora, reforçando suas preconcepções dos eventos de grande repercussão. Para a surpresa de muitos, metade da população brasileira acredita que o novo coronavírus foi criado por Pequim para aumentar seu controle sobre o mundo. Sabemos que conspirações existem, mas não a Conspiração, como sintetizaram os pesquisadores Goldschälger e Lemaire.  

Nesse contexto, discorremos sobre o papel dos teóricos da conspiração, agentes que, por convicção ou por dinheiro, elaboram ou difundem explicações conspiracionistas para acontecimentos de grande importância. No caso brasileiro, focamos no grande responsável por escrever e defender teses conspiratórias, o falecido Olavo de Carvalho, o ideólogo da extrema direita. Ele publicou livros e inúmeros artigos defendendo conclusões conspiratórias, mas sempre frisando que, embora pareçam, não são teorias da conspiração. Expusemos as mais conhecidas desse autor ? o marxismo cultural e o globalismo ? e demonstramos como elas contêm as principais características do que se define por teoria da conspiração. Ambas têm um núcleo de verdade, como a Escola de Frankfurt e o Globalismo (genuíno), sobre o qual se constrói toda uma conspiração, são financiadas por um grupo de poderosos, cuja influência atinge todos os níveis das sociedades e cujo poder é onipresente e invisível para a esmagadora maioria.  

Por fim, tratamos talvez do maior mito sobre as teorias da conspiração: o de que seus adeptos são somente pessoas ingênuas, paranoicas ou intelectualmente limitadas. No entanto, como mostramos neste ensaio, essas conclusões são demasiado simplistas e incompletas, especialmente tendo em conta o quão difundidas são as narrativas conspiratórias na sociedade.  

Deveria ser difícil imaginar que milhões de adeptos de versões conspiratórias sejam todos crédulos, desequilibrados ou estúpidos. Porém, como examinamos, as pesquisas mais recentes, na maior parte levadas a cabo pela psicologia social, demonstram que existem vários fatores que influenciam na propensão a aceitar crenças conspiratórias.  

Dividindo em três grupos, discorremos sobre as motivações epistêmicas ? anseio por saber a verdade e estar certo dela ?; as existenciais ? necessidade de sensação de controle e de segurança em momentos de grande convulsão econômica, social e política ?; e as sociais ? proteger a autoimagem positiva de si ou do grupo social a que pertence. Conclui-se que, para desacelerar a atual ascensão das teorias da conspiração, é mister desestigmatizar seus adeptos, considerando os contextos econômico e social, bem como a situação em que eles se encontram. Afinal, as pessoas não tendem a acreditar em qualquer versão, mas, sim, na versão em que querem (inconscientemente) acreditar.  

O autor é professor e tradutor

acdomain2015@gmail.com

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